São Paulo
O Apóstolo das Gentes
Nem
a vida nem a morte podiam separar a Paulo do amor de Cristo. Por isso, dois mil
anos depois do início de sua peregrinação terrena, a monumental obra apostólica
do Apóstolo das Gentes continua viva e produzindo abundantes frutos para a
Igreja.
A vocação
é um dom concedido liberalmente por Deus. E, por vezes, compraz-se o Senhor em
chamar alguém aparentemente contrário à missão para a qual Ele o destina, a fim
de manifestar com maior fulgor o poder de Sua Graça e a gratuidade do Seu
chamado. Nesses casos, apesar dos aparentes paradoxos e à revelia do próprio
interessado, cujas aspirações parecem entrar em choque com os desígnios
Divinos, o Senhor vai preparando os caminhos, servindo-Se até dos próprios
obstáculos para fazer cumprir sua Santa Vontade.
Jovem fariseu de Tarso
Nada
parecia indicar que aquele jovenzinho de rosto vivo e inteligente, de nome
Saulo, viesse a transformar-se num intrépido defensor de Jesus Cristo. Nascido
em Tarso, na Cilícia, no seio de uma família judaica, o pequeno Saulo esteve,
desde muito cedo, sujeito a duas fortes influências que pesariam grandemente na
formação de seu caráter.
De
um lado, as convicções religiosas que aprendera de seus pais não tardaram em
fazer dele um autêntico fariseu, apegado às tradições, anelante pela chegada de
um Messias vitorioso e libertador do povo eleito, então submetido ao jugo
estrangeiro, e zeloso cumpridor da Lei até em suas mínimas prescrições.
De
outro lado, o ambiente de sua cidade natal marcou profundamente a personalidade
do jovem fariseu. Tarso — metrópole grega, súdita do Império Romano —
tornara-se, por sua localização privilegiada, um dos centros de comércio mais
importantes daquele tempo. Regurgitava de gente, proveniente das nações mais
diversas, cujas línguas e costumes misturavam-se sob o fator preponderante da
cultura helênica. A Providência começava a preparar o jovem fariseu para sua
futura missão de Apóstolo das Gentes.
Discípulo de Gamaliel
Apenas
saído da adolescência, Saulo abandonou sua pátria para instalar-se na
cidade-berço da religião de seus antepassados: Jerusalém. Ali tornou-se assíduo
estudioso das Escrituras, instruído pelo douto Gamaliel, um dos mais destacados
membros do Sinédrio. Também aqui podemos notar a mão de Deus intervindo em sua
vida, pois o conhecimento dos Livros Sagrados, que adquiriu ao longo desses
anos, servir-lhe-ia mais tarde para abrir seus horizontes a respeito da
realidade messiânica de Jesus Cristo.
Entretanto,
se Saulo progredia a passos rápidos nas doutrinas farisaicas, sob o olhar
vigilante de Gamaliel, em nada pareceu assimilar a prudência que caracterizava
seu mestre, sempre cauto em seus juízos e comedido nas apreciações. Pelo
contrário, o jovem aluno dava mostras de um exaltado fanatismo religioso, como
ele mesmo confessaria em sua epístola aos Gálatas: “Avantajava-me no judaísmo a
muitos dos meus companheiros de idade e nação, extremamente zeloso das
tradições de meus pais” (Gl 1, 14).
No
interior do discípulo de Gamaliel latejava um coração sincero, à procura da
verdade. Buscava-a ardorosamente, desejoso de alcançar o pleno conhecimento
dela. Não sabia que o termo desses seus anseios encontrava-se nAquele que, de
Si mesmo, dissera: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai
senão por Mim” (Jo 14, 6).
Sim,
Saulo não poderia chegar ao Pai, Suprema Verdade, sem passar por Jesus, o
Mediador entre Deus e os homens. A afirmação proferida pelo Divino Mestre,
momentos antes de Sua Paixão, ele a veria cumprir-se em sua vida, ainda que
contra a sua vontade e apesar de suas relutâncias. E a ocasião se haveria de
apresentar justamente quando as convicções de Saulo, chocadas ante o
Cristianismo que surgia, haviam-se convertido em ódio profundo contra este.
Encontro de Saulo com o Cristianismo
Saulo
passara alguns anos fora de Jerusalém, que coincidiram com o período da vida
pública de Jesus. Quando voltou, verificou uma grande mudança. A Cidade Santa
não era a mesma que ele conhecera em seus tempos de estudante: após a tragédia
da Paixão, pesava sobre a consciência do povo e, sobretudo, das autoridades a
figura ensangüentada da Vítima do Gólgota, que eles em vão procuravam lançar no
esquecimento. E mais: os discípulos daquele Homem não temiam pregar sua
doutrina no próprio Templo, proclamando que esse Jesus a quem haviam matado
ressuscitara dos mortos (cf. At 3, 11ss.).
Tais
acontecimentos não podiam deixar indiferente um fariseu convicto como Saulo.
Não compreendia que aqueles simples galileus se levantassem impunemente contra
a religião de seus antepassados, arrastando atrás de si tamanha multidão de
seguidores. Sua irritação chegou ao auge quando, estando na sinagoga chamada
dos Libertos, onde semanalmente se reuniam judeus de todas as comunidades da
Diáspora, deparou-se com um jovem chamado Estêvão, que anunciava denodadamente
as glórias do Crucificado.
Momentos
mais tarde, tendo sido apresentado Estêvão ao tribunal do Grande Conselho,
Saulo escutou atentamente o longo discurso no qual este demonstrou, por meio de
exemplos históricos e de profecias, ser Jesus o Messias esperado. O jovem
fariseu sentia-se incomodado: as palavras de Estêvão eram tão inspiradas e
convincentes, que não se lhe podia resistir (Cf. At 6, 10); de outro lado, a
imagem desse Jesus Nazareno, que ele não conhecera, parecia persegui-lo, e
constantemente via-se obrigado a ouvir falar a respeito, de tal modo os seus
adeptos se espalhavam por Jerusalém. Duro lhe era recalcitrar contra o aguilhão
(cf. At 26, 14). E, entretanto, Saulo recalcitrava!
Indignado
diante da coragem de Estêvão, aprovou entusiasticamente sua morte (cf. At 8, 1)
e considerou como uma honra a missão de custodiar os mantos dos apedrejadores,
uma vez que sua idade não lhe permitia levantar a mão contra o condenado.
Surge o perseguidor dos cristãos
A
partir daquele dia, o exaltado discípulo de Gamaliel não pôs mais freio à sua
fúria. Acreditando “que devia fazer a maior oposição ao nome de Jesus de
Nazaré” (At 26, 9), entrava nas casas dos fiéis e arrancava delas homens e
mulheres para entregá-los à prisão (cf. At 8, 3); chegava a maltratá-los para
obrigá-los a blasfemar (cf. At 26, 11). Não contente com devastar apenas a
Igreja de Jerusalém, foi apresentar-se ao príncipe dos sacerdotes, pedindo-lhe
cartas para as sinagogas de Damasco, com o fim de prender, nessa cidade, todos
os que se proclamassem seguidores da nova doutrina (cf. At 9, 2).
Mas,
esse Jesus a quem ele teimava em perseguir (At 9, 5), viria a atravessar-Se de
novo em seu caminho, desta vez de modo definitivo e eficaz.