sábado, 20 de dezembro de 2025

terceiro Dia

 

Esposa: Vós me convidais, ó Senhor, a ver a beleza da vossa graça na alma justa e o valor desta. Eu a figurava, no centro do meu coração, de toda parte como um raio de luminosa beleza e clareza. Esses raios são todas as virtudes por Vós plantadas nela, mediante o batismo, ornadas dos dons do Espírito Santo. E tanto crescem os seus aumentos quanto maior foi a diligência da alma no seu agir, especialmente nas santas virtudes. Mas, ao nos alimentardes depois com o vosso corpo, sangue e divindade na santa Eucaristia, esses aumentos se multiplicam quase ao infinito, pela sagrada união aos vossos méritos, pela qual a alma participa do unir-se à vossa pessoa divina. E são tanto maiores quanto mais particular foi a diligência da alma em guardar o antecedente já recebido.

Com isso abriste os olhos da minha alma para ver quanto importa à alma a diligência e a fidelidade que devem ser usadas em conservar as graças recebidas e em aumentá-las com o exercício das santas virtudes.

Fazíeis-me ver, meu bem, que às almas diligentes é dada a graça em forma de rios; às mais negligentes, é dada em regatos; às frias e tíbias, em gotas — que, se pouco cuidadas em conservar essas gotas, acabarão por secar totalmente e ficar sem vida. Conforme a medida dessa graça é dada a santificação de cada alma; assim como a perda dessa bela joia é a condenação do inumerável número dos que se perdem no inferno.

Mas Vós, rei da minha alma, me declarais que, neste sacramento da Eucaristia, derramais na minha alma um torrente de graça quase infinito, como fizestes esta manhã, dignando-vos cavar do vosso precioso lado um globo de luz, de onde saíam duas vestes belíssimas: a primeira, branca, que acrescentava a veste da inocência, a qual colocáveis sobre a minha alma; e depois desta me vestíeis com a outra, que era de cor vermelha, para o hábito da caridade, assegurando-me que ambas essas vestes eu as havia alcançado pelo mérito do vosso precioso sangue.

 Aqui não houve ato material nem forma de palavras humanas. Sei apenas que me vi enriquecida de vossos bens eternos e de tesouros incomparáveis, que não sei explicar nem compreender.

Ó belo e divino coração do meu Amado, eu gozo e exulto de alegria ao ver que o vosso sangue e o vosso coração são de tanto valor que transformam um monstro de abismo em um anjo de luz, assim como fizestes comigo, miserável, neste dia.

Senhor meu, deixastes na minha alma uma luz de verdade, que me faz reconhecer que eu, nos dias passados da minha vida, deixei passar tantas belas ocasiões de virtude, nas quais podia fazer crescer a vossa divina graça até uma grandeza quase infinita, mas me deixava ofuscar a vista pelo meu próprio amor e pela minha honra. Pois, se alguma pequena coisa minha era tida em má conta pelo próximo, logo eu procurava justificar-me diante de todos com razões, para que ninguém tivesse má opinião de mim. E às vezes eu sentia apenas pena e incômodo, como se tivesse sido cometida uma injustiça e algo quase insuportável.

Meu Esposo, tomo prazer em contemplar estas verdades. Prometo-vos, com a vossa graça e auxílio, não dar mais importância a semelhante vaidade e loucura. Hoje me mostrais na verdade o que é a estima humana: como um vento momentâneo, que logo deixa de existir no mesmo instante. E por isso não devo fazer caso algum dela; mas, humilhando o meu espírito abaixo de todos, sem me exaltar nem considerar tais coisas.

Mostrais-me ainda, com o vosso habitual sinal de pureza, os coros angélicos celestes que, no ato puro do seu ser, estão fixos e sem interrupção em vos contemplar. E quereis que, em companhia deles, eu mantenha o olhar do meu intelecto e da minha consideração; e que, assim como para esses espíritos de pureza as coisas da terra diante deles são como os átomos que se veem ao sol material, assim também eu deva considerá-las. Em sua companhia devo viver com o espírito.

Oh, quão grande utilidade há nesta visão de multidão que me descobristes, meu bem, destes cidadãos celestes, aos quais é moveu a minha alma ao bem, com o olhar reto da sua pureza. Faz-me participar, por eles, de uma vigilância e suavidade divinas. Eu vos dou graças infinitas e eternas por isso, meu sumo Bem.

 

 

 



quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Segundo Dia

 Esposa:

Despertou-me a tua voz de pureza, ó dileto da minha alma, neste dia, falando-me assim:

Esposo:

O teu exercício neste dia será uma morte total de todos os gostos da vida sensível, negando-te em toda inclinação natural tua, até mesmo nas próprias obras espirituais, fazendo-as daquele modo que te é mais contrário. Farás isto no amor e na complacência que eu tive, no tempo da minha paixão, para com a vontade do meu eterno Pai, ao padecer tormentos e morte.

Esposa:

Vós, meu poderoso Senhor, conduzis-me, com estas palavras acima mencionadas, ao próprio ato que me ensinastes, na  dulcíssima complacência do gosto divino. No vosso mesmo amor, Jesus, comunicais-me uma advertência atual no agir, com fortaleza, contra a própria inclinação.

 

E nesta manhã, ao subir as escadas da comunhão, depois de vos ter recebido no meu coração, num só instante vi no meu peito a vossa sacrossanta humanidade crucificada; e no meu espírito fazíeis em mim um ato de amorosíssima complacência de morrer pelo gosto e pela vontade do vosso Pai, por todos os pecados do mundo. Mandastes-me, no vosso aceno, que este ato fosse o meu exercício deste dia. Vós, meu Jesus, por vossa única bondade, inspiráveis este ato intrínseco ao meu espírito, como no vosso próprio coração, produzindo atos de pura caridade para com o meu Deus. Com voz de pura suavidade falava-me assim a vossa pureza:

Esposo:

Toda a ocupação da tua vida, daqui em diante, não será outra coisa senão no meu coração e na minha vida, onde viverás. Deixa que eu te conduza pelos caminhos que me agradam. Não realizes atos queridos ou escolhidos pela tua vontade ou arbítrio, tanto nas obras externas como nas internas. Pede-me em tudo a disposição dos movimentos das tuas obras e da tua vida. Eu quero conduzir-te a um monte perfeitíssimo e altíssimo, pela renúncia do teu próprio querer, aos tabernáculos do segredo do meu coração, pelo caminho da minha providência. Vai por ele com passos de confiança e segurança, apoiada nas minhas costas e nos meus braços, como uma menina de dois anos no seio da sua mãe, subindo pelos outeiros deste monte das riquezas, isto é, pelo Calvário, para que, instruída nos meus tesouros, te apaixones por eles.

Esposa:

Eis-me pronta, meu Senhor; faze do meu querer e da minha vida aquilo que te for agradável. No mundo, para mim, não há outro senão tu, meu Jesus, luz e vida minha eterna. Grandes são as belezas que vejo neste dia sobre este monte do teu Calvário, mas seria demasiado longo se quisesse dizê-las distintamente e enumerá-las todas.

Pareceu-me ver, debaixo da tua cruz, uma grande quantidade de sangue, que forma um agradável ribeiro, e ali nasceram muitas pequenas ervas tenras e flores fresquíssimas e vermelhas. E nisto me declarais que as ervas e as flores são os santos mártires e todas aquelas almas que estão no martírio do puro amor, que anseiam por cruzes e tormentos sob o jugo da mortificação e dos trabalhos. E estas nadam e fazem cortejo a vós mais de perto, ó Rei da glória, no vosso rico monte. Aí me declarais quão copiosos e preciosos são os frutos da paciência na bem-aventurada eternidade, porque nascem da bela raiz do puro amor.

 

Ah, meu amor, concedei-me um lugar entre estas flores e entre estas ervas, já que na minha vida passada estive longe do Calvário e da cruz. Ah, meu bem, ou dai-me penas ou dai-me a morte!

Comprazei-vos, meu sumo bem, em dar-me ainda este amor de paciência e de pureza, para que eu não vos seja infiel; e depois contentai-vos que os dias de vida que me restam sejam todos sobre este monte de ouro da pura caridade, já que aí estais vós, belo esposo do meu coração, consumido e esvaziado pelas chamas da caridade para comigo, entregue ao poder de uma morte cruel, tendo-a ainda por um nada para saciar o vosso desejo.