quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Segundo Dia

 Esposa:

Despertou-me a tua voz de pureza, ó dileto da minha alma, neste dia, falando-me assim:

Esposo:

O teu exercício neste dia será uma morte total de todos os gostos da vida sensível, negando-te em toda inclinação natural tua, até mesmo nas próprias obras espirituais, fazendo-as daquele modo que te é mais contrário. Farás isto no amor e na complacência que eu tive, no tempo da minha paixão, para com a vontade do meu eterno Pai, ao padecer tormentos e morte.

Esposa:

Vós, meu poderoso Senhor, conduzis-me, com estas palavras acima mencionadas, ao próprio ato que me ensinastes, na  dulcíssima complacência do gosto divino. No vosso mesmo amor, Jesus, comunicais-me uma advertência atual no agir, com fortaleza, contra a própria inclinação.

 

E nesta manhã, ao subir as escadas da comunhão, depois de vos ter recebido no meu coração, num só instante vi no meu peito a vossa sacrossanta humanidade crucificada; e no meu espírito fazíeis em mim um ato de amorosíssima complacência de morrer pelo gosto e pela vontade do vosso Pai, por todos os pecados do mundo. Mandastes-me, no vosso aceno, que este ato fosse o meu exercício deste dia. Vós, meu Jesus, por vossa única bondade, inspiráveis este ato intrínseco ao meu espírito, como no vosso próprio coração, produzindo atos de pura caridade para com o meu Deus. Com voz de pura suavidade falava-me assim a vossa pureza:

Esposo:

Toda a ocupação da tua vida, daqui em diante, não será outra coisa senão no meu coração e na minha vida, onde viverás. Deixa que eu te conduza pelos caminhos que me agradam. Não realizes atos queridos ou escolhidos pela tua vontade ou arbítrio, tanto nas obras externas como nas internas. Pede-me em tudo a disposição dos movimentos das tuas obras e da tua vida. Eu quero conduzir-te a um monte perfeitíssimo e altíssimo, pela renúncia do teu próprio querer, aos tabernáculos do segredo do meu coração, pelo caminho da minha providência. Vai por ele com passos de confiança e segurança, apoiada nas minhas costas e nos meus braços, como uma menina de dois anos no seio da sua mãe, subindo pelos outeiros deste monte das riquezas, isto é, pelo Calvário, para que, instruída nos meus tesouros, te apaixones por eles.

Esposa:

Eis-me pronta, meu Senhor; faze do meu querer e da minha vida aquilo que te for agradável. No mundo, para mim, não há outro senão tu, meu Jesus, luz e vida minha eterna. Grandes são as belezas que vejo neste dia sobre este monte do teu Calvário, mas seria demasiado longo se quisesse dizê-las distintamente e enumerá-las todas.

Pareceu-me ver, debaixo da tua cruz, uma grande quantidade de sangue, que forma um agradável ribeiro, e ali nasceram muitas pequenas ervas tenras e flores fresquíssimas e vermelhas. E nisto me declarais que as ervas e as flores são os santos mártires e todas aquelas almas que estão no martírio do puro amor, que anseiam por cruzes e tormentos sob o jugo da mortificação e dos trabalhos. E estas nadam e fazem cortejo a vós mais de perto, ó Rei da glória, no vosso rico monte. Aí me declarais quão copiosos e preciosos são os frutos da paciência na bem-aventurada eternidade, porque nascem da bela raiz do puro amor.

 

Ah, meu amor, concedei-me um lugar entre estas flores e entre estas ervas, já que na minha vida passada estive longe do Calvário e da cruz. Ah, meu bem, ou dai-me penas ou dai-me a morte!

Comprazei-vos, meu sumo bem, em dar-me ainda este amor de paciência e de pureza, para que eu não vos seja infiel; e depois contentai-vos que os dias de vida que me restam sejam todos sobre este monte de ouro da pura caridade, já que aí estais vós, belo esposo do meu coração, consumido e esvaziado pelas chamas da caridade para comigo, entregue ao poder de uma morte cruel, tendo-a ainda por um nada para saciar o vosso desejo.

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