Vida
Religiosa
O
Senhor guia a Igreja, o Senhor está presente nela. Seu Espírito vivifica,
suscita, orienta, sustenta... Não nos pede licença, não nos consulta: é
soberano! Eleva, rebaixa, exalta, humilha... tudo para nos conduzir a Cristo,
tudo para o bem da Igreja, tudo para que o mundo reconheça em Jesus o único
Salvador, enviado pelo Pai para toda a humanidade.
Santo Afonso de Ligório entregando as regras às Ordens que fundou:
Congregação (Padres e Irmãos) e Ordem (Monjas) do Santíssimo Redentor
Afirmo
isto pensando na vida religiosa. Ela é uma realidade carismática presente na
Igreja: não foi instituída diretamente por Cristo, mas é fruto da ação do seu
Espírito Santo, como sinal do Reino de Deus e das exigências para quem deseja
seguir o Cristo Jesus. Foi assim que nasceu aquele modo livre, radical,
estranho e aparentemente louco de seguir a Cristo: homens e mulheres que
deixavam tudo por causa do Senhor e iam viver no deserto uma vida de oração,
penitência, constante meditação da Palavra de Deus e serviço aos pobres. Eram
loucos, eram incompreensíveis para o mundo... É isto a vida religiosa, nem mais
nem menos! E quando deixa de ser isso, perde o sentido, torna-se insossa e
definha!
No
decorrer dos tempos, as formas de vida religiosa foram mudando, evoluindo:
primeiro, monges solitários no deserto; depois, as grandes abadias medievais,
com 300, 500 monges, dedicados à oração, ao canto dos salmos, ao trabalho no
campo e à vida intelectual; mais adiante, os loucos mendicantes – franciscanos,
dominicanos e carmelitas -, que tudo deixavam e andavam pelas ruas das cidades
européias, pregando e esmolando por amor de Cristo. Viviam em comunidade, na
pobreza, castidade e obediência. Na Idade Moderna surgiram os jesuítas, práticos
e eficientes, parecendo um exército de Cristo e do Papa, pronto para a batalha.
Depois surgiu uma constelação de congregações com um carisma particular. Era
uma novidade: uma vida religiosa com o objetivo não somente de viver
simplesmente o Evangelho, mas destinada também a um trabalho (carisma)
específico: escolas, hospitais, missões, cuidado dos pobres, trabalho
paroquial, etc...
O
importante era que em toda essa evolução – das origens a hoje – houve sempre
algumas características que marcavam a saúde, o vigor e a fidelidade desse modo
de viver: 1) a “separação” da família e do modo de viver do mundo para viver
“de modo realmente diferente” numa vida de comunidade fraterna por causa de
Jesus Cristo; 2) uma intensa vida de piedade e oração, penitência e sobriedade;
3) a clara vivência dos votos de pobreza material, castidade efetiva e
obediência muito concreta e custosa; 4) a ruptura com os costumes do mundo
(mesmo aqueles costumes honestos e legítimos), expresso no hábito religioso,
que identificava e deixava claro para o religioso e para os outros a sua
consagração e expresso também no modo de viver simples, recolhido e piedoso de
quem abraçava essa vida...
É
esta vida religiosa que está em crise. Na verdade, sempre estará em crise, pois
ser religioso é ser livre, pobre, simples, radical, apartado do mundo... e há
sempre uma tendência de acomodamento, de que, pouco a pouco, as estruturas que
os próprios religiosos vão criando com o correr do tempo, sufoque a
simplicidade, a fraternidade originais e vá apagando o Espírito com a praga do
comodismo, da frieza e da secularização... No entanto, sobretudo depois do
Vaticano II, com o pretexto de renovação, adaptação aos tempos modernos e de
inserção no mundo, a vida religiosa entrou num profundo processo de esfriamento.
Não sempre, mas muitíssimas vezes, os religiosos parecem aqueles que deixaram
tudo para não deixarem nada: vivem como todo mundo, vestem-se como todo mundo,
falam e agem como todo mundo. Os sinais do sagrado, do diferente, da
radicalidade, da loucura e incongruência por amor de Cristo, desapareceram.
Hoje, os religiosos escrevem muito, sustentam grandes organizações, estudam
muito, falam muito, defendem belas teorias de amor e justiça, mas aquele fervor
simples e ingênuo que encantava e falava do Reino, na maioria dos casos
desapareceu. E, sejamos sinceros: muitíssimas vezes, este tipo de vida
religiosa já não atrai, não encanta, porque não convida a subir às alturas da
adesão a Cristo, do amor e fidelidade à Igreja, da santidade de vida.
Mas,
nossas infidelidades não conseguem bloquear a ação do Espírito. O Senhor quer e
manterá sempre a vida religiosa na Igreja. Quando velhos modos de vivê-la já
não são um testemunho que encanta, intriga e incomoda, o Espírito que sopra
onde quer suscita novos modos: intrigantes, incômodos, loucos, encantadores e
comoventes... Digo isto porque hoje está surgindo um novo modo de viver o
carisma religioso: as comunidades de vida e de aliança! Muitos dirão: que
loucura, que bando de radicais, fanáticos e beatos desequilibrados. O mesmo que
disseram dos primeiros monges, de Francisco, de Clara, de Teresa de Calcutá e
da maioria dos fundadores das atuais grandes ordens e congregações! É comovente
ver uma multidão de rapazes e moças, homens e mulheres, sem uma estrutura muito
definida, sem muito estudo, na espontaneidade de quem sabe que o Evangelho e a
Igreja são para todo aquele que deseja seguir a Cristo: vivem em comum, têm uma
vida de pobreza verdadeira, radical, efetiva, amam a Cristo e procuram ser
fiéis è Igreja e ao Papa, rezam muito e intensamente, demonstram profunda
devoção e piedade , servem aos pobres de modo comovente e muito concreto e não
têm medo nem vergonha de demonstrar que são consagrados, são de Deus, não são
do “mundo”: usam uma cruz, uma roupa diversa, um hábito.... Essa gente
incomoda, intriga, dá trabalho, questiona com a vida e o modo de ser, sem falar
nada, sem julgar ninguém, sem protestar nem acusar!
Bendito
Espírito de Deus! Nem liga para os nossos esquemas, nem dá bola para os nossos
medos, nem toma conhecimento da nossa frieza e falta de entusiasmo! Suscita
novidade do jeito que bem quer e entende! Dirão muitos – sobretudo religiosos
das congregações já estabelecidas e, muitas vezes, secularizadas e acomodadas:
“Esses aí são gente desequilibrada e piegas, alienada e ignorante!” Cuidado!
Não pequemos contra o Espírito Santo! Não queiramos sufocar a ação que Deus
suscita. Certamente, que nessas comunidades novas há exageros,
unilateralidades, etc. Mas, cabe à Igreja orientar, não sufocar; guiar, não
desprezar; aproximar-se como mãe terna, não se afastar como estranha. Conheço
histórias comoventes dessas comunidades e de pessoas que nelas vivem.
Pessoalmente, emociono-me e recordo dos fundadores do passado e dou graças a
Deus, que faz com que a loucura do Evangelho e a radicalidade despretensiosa e
simples do Cristo esteja presente na sua Igreja hoje como no passado. A Igreja
não é nossa, não é dos leigos, não é da hierarquia – a Igreja é de Cristo e
somente ele é seu Senhor, que a suscita e orienta pelo Espírito! Aprendamos a
ouvir com docilidade o que o Espírito está dizendo. Às vezes, aqueles que mais
falam em “discernir os sinais dos tempos” e “ser dóceis ao Espírito”, os que
mais falam em “voltar às fontes”, são os que mais se fecham em seus esquemas
ideologizados e se negam a admitir as loucas surpresas de Deus. Quem dera que
esses jovens sem juízo que desejam simplesmente viver Jesus e anunciá-lo com a
vida e a Palavra – Jesus da Igreja católica, Jesus concreto e vivo, Jesus que
abraça os pobres e drogados! -, esse bando de loucos, nos incomodem sempre –
sobretudo os religiosos que se encontrarem secularizados, acomodados,
aburguesados – e nos recordem a simplicidade e radicalidade do Reino e nos faça
sentir saudades do céu!
A
vida religiosa é um dom precioso demais para se perder! Que ela esteja sempre
presente no coração da Igreja, dando trabalho, surgindo de mil formas... mas
mostrando sempre a santidade e a radicalidade, a felicidade e a plenitude do
bem supremo que é conhecer e viver Jesus! Amo, respeito e valorizo
profundamente o inestimável dom do carisma religioso na Igreja! Por isso,
alegro-me com essas novas comunidades e espero que elas incomodem bem muito as
congregações, para que também estas reencontrem seu caminho, se renovem e se
encham de novo vigor. A Igreja e o mundo precisam de religiosos bem religiosos!
Dom Henrique Soares
da Costa
Fonte: vocatofmcap.blogspot.com.br/
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