Um Domingo De Manhã...
Maria Celeste, um domingo de manhã, na
hora da comunhão. Apenas acabara de receber a Santa hóstia, Nosso Senhor se
mostrou a ela...Isso durou várias horas... O Senhor lhe diz: "Quero ser
seu guia, quero conduzir você; a ninguém procure fora de mim"(L, cap. III).
Um
domingo de manhã... Costumeiramente, Maria Celeste fala de sua comunhão
diária sem dizer o dia, o mês ou o ano. Não é a data o importante para ela, mas
o mistério eucarístico. Entretanto, esta é a única vez em sua autobiografia que
ela diz ser precisamente um domingo. Domingo, dia do Senhor. Ou seja, o dia da
eucaristia em sua plenitude. Não nos esqueçamos que lá nas origens a festa da
Páscoa era celebrada a cada domingo. Ela só se tornou uma solenidade anual a
partir da metade do segundo século. Compreende-se assim porque Maria Celeste
está atenta a esse detalhe, pois que o Senhor a ela se apresenta como o guia,
aquele que lhe abre passagem, a Páscoa para uma terra de liberdade, em sua
morte e ressurreição. Cada eucaristia celebra essa Páscoa. Especialmente a do
domingo. ela está convencida disso.
Quero
ser seu guia... precisou Jesus. Ora, nessa época, muitos confessores ou
diretores de consciência aceitavam que seus penitentes fizessem o voto de lhes
obedecer, e até- este foi o caso de Dom Falcoia com Maria Celeste- chegavam a
exigir isso deles. Conscientemente, Maria Celeste se recusou. Esse foi um,
aliás, entre os motivos que, em 1733, determinaram sua expulsão do mosteiro de
Scala. Ela não tinha senão um verdadeiro guia: o Cristo que lhe falava ao
coração desde a infância:
Ela era ainda uma menina por volta de
seus cinco ou seis anos, quando o Senhor começou a lhe dar conhecimento passivo
de sua natureza divina, mas de maneira tão doce que a menina teve vontade de
lhe devotar todo o seu amor e seu serviço (L, cap. I).
Em sua autobiografia, Maria Celeste
recorda como o senhor insiste nessa formação espiritual, quando ela se torna
mestra de noviças no Carmelo de Marigliano:
Nessa época, o Senhor... Iluminou
minha inteligência para me instruir sobre verdades da fé... Atraindo-me para
ele, fazia-me ver como ele viveu e como
é a vida de uma alma santa. em íntima união de amor comigo, Jesus comunicava-me
por sua graça um gozo antecipado da vida eterna, fazendo-me entender estas suas
palavras no Evangelho: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". E
estas: "Ninguém vai ao Pai senão por mim". Ele me mostrava a obra
maravilhosa da união divina com a natureza humana, união tornada possível à
alma pelo Espírito Santo e pelos frutos das boas obras. Tudo isso nos foi
merecido pela vida santíssima que ele viveu na terra, quando aqui habitou (L,
cap. XV).
Maria Celeste centra sua oração na meditação do Evangelho,
principalmente nos textos de João e nas cartas de Paulo. Ela comentará esses
textos para suas irmãs, em seus escritos e nos retiros que pregará. Para a
época, não faltava audácia nisso.
Maria Celeste prega o Evangelho, mas
sobretudo ela o vive, não obstante as provocações que se abatem sobre ela e
sobre o projeto do novo Instituto. Poucos dias antes de ser expulsa do mosteiro
de Scala, assim escreve em uma de suas cartas:
Meu espírito está em paz e nada teme,
caminhando segundo o Santo Evangelho e sobre as pegadas de meu amantíssimo
Jesus (S, p. 38, lettre à son confesseur, 20 avril 1733).
Aliás, na fundação do novo
Instituto, dá ao regulamento para as Monjas um título evocativo e bem original
para a época: O Instituto e as Regras do
Santíssimo Salvador, contidos nos santos Evangelhos...
Para ela, de fato, trata-se primeiro
de obedecer ao chamado de Jesus Salvador: "Sede meus discípulos"(Mt
11, 29). Eis porque Maria Celeste pede às monjas que meditem o Evangelho da
missa do dia. Além disso, exige das superioras que se esmerem em explicá-lo às
irmãs menos dotadas, para possibilitar-lhes assim melhor compreender e praticar
as Regras e Constituições do Instituto. E mais: escreverá vários livros, quase
todos comentários do Evangelho.
Maria Celeste não ignora os perigos
que rondam as pessoas em oração, principalmente a oração proveniente da
repetição de fórmulas, mesmo as mais belas. Como dirá mais tarde Charles Péguy:
"A enorme enxurrada de Pai-Nosso", ela sabe que andamos muitas vezes
titubeantes, porque distraídos. Mas sabe também que há dias, quando vem a
tempestade, em que o barco se volta para o alto-mar, ao sopro de Deus. E por
isso é preciso ter um guia seguro: o próprio Jesus. Ela o acolhe a cada dia na
escuta de sua Palavra e, principalmente, no coração até o coração que acompanha
cada uma de suas comunhões.
E
nós hoje?
Quem
é nosso guia espiritual? Será o Senhor Jesus?
Será
que gastamos tempo em escutar sua palavra? Em escutar o Evangelho cada dia? Em
Lê-lo não só para estudá-lo, mas para meditá-lo, para dele nos nutrirmos
fervorosamente?
Será
que aproveitamos nossas comunhões para entrar em diálogo com Jesus e para
acolher sua mensagem de amor, que orientará nossa vida ao longo de todo o dia?
Estamos
decididos a viver com o Cristo Salvador? Por ele? Nele?
Por
fim, a confidência de Maria Celeste, dando-nos conta de que ela tinha "Mais
ou menos cinco ou seis anos quando o Senhor começou a lhe dar a conhecer...sua
natureza divina", convida-nos a descobrir o valor da oração da criança e a
importância de sua educação cristã desde a mais tenra idade. Charles Péguy,
poeta e pai de família, dois séculos mais tarde dará testemunho disso e comporá
o canto do Deus dos cristãos, que tanto ama as crianças:
"Eu vi grandes santos, diz Deus.
Pois bem, eu vos digo:
Jamais vi nada de tão singular e, por conseqüência,
nada conheci de mais belo no mundo do que uma criança que adormece fazendo sua
oração...
E misturando o Pai - nosso com a Ave -
Maria" (Oevres poétiques, ed. Gallimard, p. 791)
Oremos
com Maria Celeste
Ó meu
Bem...
Eu te
abraço,
aperto-te
ternamente contra meu coração.
Olho para
ti e te contemplo,
em verdade
posso dizê-lo.
Sem te
mostrares,
num piscar
de olhos, tu te fazes entender.
Tu me
feres como uma flecha de fogo
que num
instante me atinge e me traspassa.
Tu me
ensinas o bem e me revelas a verdade eterna.
Ardente
desejos excitas em mim
de,
desvelado, ver-te no céu,
e num
beijo eterno te beijar...
Corro para
ti como para meu refúgio
em todas
as minhas necessidades espirituais e temporais,
em minhas
dúvidas e minhas dificudaldes,
porque não
somente te fizeste o Pai, o
Esposo
e o Senhor
de meu coração,
mas também
o Guia, o Condutor, o Mestre,
a quem
queres que eu recorra
em todas
as minhas necessidades,
para
encontrar consolação, remédio e socorro.
Tu és meu
tudo (Es, Dixième jour).
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