Receba no seu
o meu coração, para sempre o amar como a seu próprio coração, para ali ter
guardadas todas as almas que são minhas pelos laços da caridade. Que
especialmente as almas desta comunidade em que você vive sejam suas queridas
esposas. Ame-as, tome a peito seu bem espiritual. Dou-as a você, minha
bem-amada, a elas que são minhas e suas esposas. De hoje em diante, você as
amará em mim e, a mim, nelas (L, Segundo Diálogo)
Receba meu coração... Nessa época, a devoção ao Sagrado
Coração de Jesus desenvolvia-se sobretudo na Europa, um pouco em reação á
indiferença do jansenismo e à dureza do rigorismo. Essa devoção influenciou
Maria Celeste. Seu amigo afonso foi um ardente promotor dela: no seu livrinho
“Visitas ao Santíssimo Sacramento”(que ainda em vida de Afonso alcançará mais
de quarenta edições), ele dedica várias “visitas” ao Sagrado Coração. Esse
livro esteve nas mãos de Maria Celeste. Para Afonso, essa devoção popular não é
um convite a declarações sentimentais, e sim à descoberta dessa realidade
comovedora, especialmente na hora da comunhão: entrar em comunhão com Deus Pai,
por Jesus Cristo, no Espírito Santo. Maria Celeste fez a experiência disso de
maneira extraordinária, como o testemunha esta conversa com o senhor:
Eu me senti
que colocavas teu coração no meu peito, e que o meu coração se derretia como
cera no teu. Eu ouvia tão docemente os batimentos de teu coração que me desfazia
de amor... Língua humana nenhuma o saberá descrever. Ouvia ali baterem os
corações dos que te amam, e de teu divino coração estavam prisioneiras todas as
almas criadas e remidas. Com elas, estava meu coração no teu (L, Segundo
Diálogo).
Com
renovada alegria, Maria Celeste declara então:
Tú és minha
alegria, ó coração daquele que me ama! Eis que, no meu peito, no lugar do meu
coração, encontro o teu. Como está feliz minha alma por essa troca, ó meu Rei!
Exulto de amor por isso (L, Segundo Diálogo)
Jesus
prossegue suas confidências a esse respeito, lembrando-lhe que o seu coração é
traspassado, um coração aberto, um coração acolhedor de todos aqueles e aquelas
que aceitam ser amados por ele:
Meu divino
coração é seu centro: veja que imenso bem há para você nessa morada. Não deixe
esta cela preparada para você. Com a cruz escancarei a porta para você, e desde
então você pôde entrar em meu coração. Aqui terá toda a felicidade do tempo e
da eternidade. Nas angústias desta vida, aqui encontrará paz, nas aflições e perseguições,
refúgio, e alívio nas tentações e desolações. Aqui você encontrará os meus e os
seus amigos, sempre que quiser consolar-se e gozar de sua companhia e da doce
convivência de meus santos, sem intromissão de vozes estranhas, com aquele
repouso que não se pode encontrar no mundo nem nos bens desta terra. No meu
coração você encontrará aquele bem infinito que a inteligência humana não é
capaz de conceber (L, Segundo Diálogo).
Depois
de convidar Maria Celeste a colocar o coração dele no centro de sua vida, Jesus
revela-lhe um segredo: seu coração, transbordante de amor; trespassado por
amor, é o coração de Deus Pai:
Ensinando você
a ser mansa e humilde de coração, eu quis revelar um segredo muito profundo:
sou eu o coração do Pai, que me enviou ao mundo para comunicar às suas
criaturas a verdade sobre ele mesmo. Recorde o que eu disse nos meus
evangelhos: “Tudo o que ouvi do Pai, eu vos dei a conhecer”(Jo 15, 15). Isso
significa que, nos evangelhos, estão contidos todos os mistérios de minha
divindade (L, Solilóquio Diálogo).
De
fato, o coração de Jesus é a fonte de todo amor, de toda vida, dessa vida
divina em que se inflama e se consome Maria Celeste. Entretanto, o amor do coração
de Jesus não é um convite a se trancar num amor só a dois, mas a se abrir
largamente num amor sem fronteiras, principalmente com as irmãs de sua
comunidade:
Você olhará
para o próximo com o mesmo amor com que eu olhava para meus apóstolos e
discípulos. Com o mesmo olhar de amor, verá as companheiras com quem vive em
comunidade. Terá diante de suas fraquezas a mesma piedade e compaixão que eu.
Você as consolará em suas angustias com a mesma caridade minha. E, com a mesma
doçura minha, a elas falará das coisas do Reino eterno. É em união com os meus
sofrimentos que você suportará os altos e baixos de sua natureza e de seu
caráter. Jamais use com elas de palavras violentas, em qualquer situação que
seja.... Que suas palavras sejam sempre doces e amorosas! (F-M, n. 132,
Entretiens IX)
O
que é mais que evidente é que Maria Celeste é apaixonada por Jesus. Ela
descobriu um Deus que pensa nela. Pessoalmente. Um Deus que lhe perdoa todos os
pecados. Definitivamente. Um Deus que a ama. Apaixonadamente, a ponto de ter
ciúmes dela, no sentido bíblico do termo, quer dizer: amante sem medida, que
respeita, todavia, a liberdade do outro:
Deus eterno e
de infinita caridade, quem pode contar as misericórdias sem fim que tiveste
para com esta miserável criatura, que tantas vezes te ofendeu? E tu, amor de
minha alma, tu jamais deixaste de amá-la, de lhe conceder teus benefícios e de
estar junto dela, para que não se afastasse de ti, fonte de água viva. Com
ciúmes velavas por ela e foste uma luz para meus pés, para que não errasse o
caminho.... Não havia hora nem tempo algum em que não te via, com um olhar puro
e espiritual, montando guarda junto de mim. Por isso, inflamava-se minha
vontade pela tão encantadora visão de tua presença, porque me olhavas sempre
com dulcíssimo amor e olhos serenos e amorosos... Convidando-me a te amar,
dirigias-te a mim com doces palavras, como por exemplo: “Eu sou ciumento de seu
coração” (L, cap. VI)
A
essa declaração de amor do Senhor, Maria Celeste responde com também inflamada
declaração:
Não consigo me
convencer de que outro coração te queira maior bem do que eu! Todos os meus
suspiros, minhas respirações todas voam para ti, para te ferir de amor, como tu
me feres com teu amor. Ó joia de meu coração... meu Bem-amado perfeitíssimo,
como me és caro e amável! Jamais saberia explicar o que tu és. Com razão,
tantos corações amorosos morreram de puro amor por ti, sobretudo o coração de
tua querida Mãe, que, mais que qualquer outra criatura, possuía teus divinos
conhecimentos! (L, Solilóquio Diálogo).
E nós, hoje?
Estamos
convencidos de que somos amados pessoalmente pelo Senhor, ao qual dirigimos
nossa oração? Antes da criação do mundo, ele já pensava em nós e nos amava. Nem
hoje ninguém nos ama tanto quanto ele. Hoje e sempre ninguém quer tanto quanto
ele nosso bem. Ora, não há ninguém mais humilde que Deus. Ele nos respeita, não
nos obriga a nada. Ele quer o nosso bem e, com nossa livre colaboração, o bem
de todos. Será que cremos nesse amor?
Antes:
pensamos nós nesse amor, nesse coração que pulsa junto do nosso e que gostaria
de nos arrebatar na espiral de seu amor?
Temos
verdadeiramente o cuidado de acolher esse amor e de partilhá-lo com os outros?
Em família, em comunidade, em Igreja?
Preocupamo-nos
com o bem dos outros? Com seu bem material e seu bem espiritual?
Oremos com Maria Celeste
Querido Bem
de minha alma,
fogo
devorador e veemente experiência,
ao receber
teu coração, que novamente me
deste,
Posso dizer,
em toda a verdade,
que agora és
tu o meu coração,
ó meu bem.
E como te contentas
com tão pobre morada,
ó meu
Senhor?
Outra coisa
não posso fazer
senão me
entregar a ti
numa entrega
irrevogável (L, Sétimo Diálogo).
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